domingo, 27 de junho de 2010

Lápis

Bateu o dedo na ponta do lápis, antes de começar. Afiado e com uma borracha fixada em seu outro pólo, o objeto mais precioso que ela possuía no momento tornou-se também seu único confidente. Com pressa, colocou a mão no bolso e agarrou um pedaço de papel velho que havia sido colocado na jaqueta há algum tempo. Com alguns poucos rabiscos, conseguiu mudar as letras e o coração desenhados no papel para algo abstrato, como se nunca houvesse existido outra coisa além de traços descoordenados. Respirou fundo. Pensou na primeira palavra ao mesmo em que seu coração parecia saltar do peito.
Escreveu, com a letra trêmula: 'Medo.' Essas quatro letras, associadas aos seus sentimentos naquele instante foram o suficiente para iniciar-se uma frase, que fora transformando-se em períodos e logo em seguida, parágrafos, preenchendo a folha por completo. Ali, sentindo o cabelo dançando ao som do vento forte, havia transformado em letras o retrato de sua vida. Amargura, dor e sofrimento eram vocábulos constantes, que faziam o texto parecer uma carta de despedida.
Desviou seu olhar para o lado ao ouvir um barulho e percebeu um gato correndo entre os sacos de lixo até alcançar o rato e abocanhá-lo com agilidade. Ficou, por um instante, pensando na cena. Ela era um gato ou um rato? Definitivamente, um rato. Aqueles de esgoto com rabos enormes dos quais as pessoas fogem de pavor. Por que ela não era o gato? Por que não poderia lutar por aquilo que deseja? Por que estava destinada a ser como o rato, ensanguentado e morto na boca de outro ser?
Levantou-se do chão sujo onde estava. Não havia motivos para continuar escondida entre aqueles velhos caixotes e vazias garrafas de cerveja quebradas. Passou os olhos pelo ambiente já demasiadamente escuro e aquela palavra que iniciara seu texto não fazia mais sentido. Percebeu- se corajosa. O mundo não está feito. O mundo não está pronto. O mundo não está completo. E cabe a ela preenchê-lo.
Rasgou o pedaço de papel no qual havia escrito 'Medo.' Cortou com os dedos onde a palavra 'treva' estava relatada. À medida que dava alguns passos, com mais vigor ia tirando as palavras ruins de seu texto, mandando-as embora junto com o coração rabiscado, deixando-as caídas naquele beco.
Aos poucos, o sol bateu em sua face. Seus raios acariciaram sua pele e, olhando para o céu, não reparou no belo menino de olhos azuis que cruzava o seu caminho. Trombaram-se. Assustaram-se. Olharam- se. Sorriram. Timidamente, olhou para baixo. Em sua mão, um pequeno pedaço de papel. Rasgou- o duas vezes. Viu uma palavra cair à sua frente. 'Solidão' estampava agora a calçada. Pisou no papel e encarou o rapaz que ainda lançava-lhe olhares. Não havia outra reação além de sorrir e sentir- se feliz. Afinal, em cada uma de suas mãos, havia lhe restado a 'vida' e o 'amor'.